Combustíveis sustentáveis de Aviação: Oportunidade para Desenvolvimento Regional
Em artigo no Estadão, pesquisadoras da RBQAV afirmam que Brasil precisa buscar parcerias internacionais para cumprir acordo
Análise por : Laís Forti Thomaz e Amanda Gondim
As metas mundiais para as reduções de emissões tem estimulado o desenvolvimento de combustíveis a partir de matérias-primas sustentáveis, residuais e de baixo custo, buscando ainda a segurança energética através de um acesso universalizado por meio de uma matriz diversificada e limpa, que conciliam a sua expansão em uma base sustentável, renovável e com baixas emissões de gases de efeito estufa (GEE).
O Acordo de Paris de 2015 inspirou a criação do “Mecanismo de Redução e Compensação de Emissões da Aviação Internacional” (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation - CORSIA), a fim de mitigar os efeitos das mudanças climáticas usando combustíveis alternativos aos combustíveis fósseis. O CORSIA foi criado em 2016 após décadas de negociações coordenadas pela Agência da ONU no setor aéreo conhecida como Organização Internacional da Aviação Civil (International Civil Aviation Organization - ICAO). A meta do CORSIA prevê, basicamente, que as emissões se estabilizem nos níveis que, inicialmente seriam observados em 2020. Entretanto, devido à pandemia do COVID-19, as emissões absolutas de 2019 serão também utilizadas no ano de 2020, substituindo as emissões registadas este ano, com a finalidade de amortizar a queda de tráfego aéreo deste período.
Os operadores de aeronaves são incentivados a utilizar Combustíveis Elegíveis do CORSIA (CEF) que são certificados por um Esquema de Certificação de Sustentabilidade (SCS) aprovado pelo Conselho da ICAO. Esses combustíveis devem alcançar a redução de emissões de GEE com base no ciclo de vida; respeitar as áreas de alta importância para a biodiversidade, conservação e benefícios para as pessoas dos ecossistemas, de acordo com as regulamentações nacionais e internacionais; e contribuir para o desenvolvimento social e econômico local, e devem evitar a competição da matéria-prima utilizada com alimentos. Se as empresas não utilizarem os SAFs, deverão comprar os créditos de carbono no mercado de compensação.
O CORSIA é o primeiro mecanismo de mercado para a compensação ambiental, dedicado apenas a voos internacionais, e previsto para funcionar em três fases durante 2021 e 2035. É importante destacar que 88 países se comprometeram na fase voluntária, conhecida também como fase piloto entre 2021 e 2023. Posteriormente, haverá a primeira fase entre 2024- 2026, também voluntária. Entretanto, a partir de 2027, inicia-se uma fase na qual as medidas e metas de redução de emissões serão obrigatórias para os Estados-Membros que tiveram parcela individual da atividade de aviação internacional no ano de 2018 superior a 0,5% da atividade total ou para os Estados cuja parcela acumulada tenha atingido 90% da atividade total, com exceção de países menos desenvolvidos.
Porém, é preciso ainda que na esfera governamental, busque-se incentivos para neutralizar a diferença de custo de produção de um combustível “drop-in” em relação a um produto para motores adaptados a biocombustíveis, como é o caso do transporte rodoviário. Isso porque na aviação o combustível deve ser “drop-in”, isto é, são bio hidrocarbonetos (hidrocarbonetos renováveis) líquidos, que têm funcionalidade equivalente aos combustíveis fósseis e são compatível com à infraestrutura existente, ou seja, o combustível deve ser livre de compostos oxigenados, ter alto poder de calorífico e baixa solubilidade em água (Speight, 2006). Dessa forma, podem ser misturados ao querosene de aviação ou diesel de origem fóssil em proporções regulamentadas, sem necessidade de alterações nos motores, aeronaves e infraestrutura de distribuição já existentes.
Com esse horizonte, o desenvolvimento de combustíveis sustentáveis de aviação tem sido incentivado tanto na Europa com o Pacto Ecológico Europeu da Comissão Europeia quanto nos Estados Unidos, pois o tamanho do mercado de combustível para aviação é grande e crescente. A U.S. Energy Information Agency afirma que a demanda global aumentará de 106 bilhões de galões em 2019 para 230 bilhões de galões em 2050. A Dep. Julia Brownley (D-Califónia) inclusive apresentou o projeto de lei “the Sustainable Aviation Fuel Act” que prevê um fundo de 1 bilhão de dólares para a produção de SAF além de crédito tributário.
A princípio, o Brasil apenas participará do CORSIA em 2027, na fase mandatória, ainda que já possua uma resolução da ANAC (496/2018 alterada pela 558/2020) que regulamenta o monitoramento, envio de relatórios e a verificação de dados de emissão de CO2 relativos ao transporte aéreo internacional. Em pesquisas anteriores, como de Cortez et. al (2014, p. 224) que realizou o Roadmap tecnológico de biocombustíveis de aviação no Brasil, já se entendia que o país deveria implementar melhorias nas suas políticas regulatórias que fossem capazes de monitorar e antecipar as ações regulatórias da ICAO. A conclusão dos autores é que dessa maneira as regulações internacionais seriam importantes para promover uma indústria de biocombustível para aviação no Brasil. Conclusão também vista em Soares et. al. (2018) que inclusive recomendou que o país já fosse voluntário na primeira fase do CORSIA.
O Brasil já teve iniciativas anteriores para buscar alavancar a produção no setor, buscando o apoio de outros países em fóruns de diálogo de energia, por exemplo. Houve um financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), juntamente com a Boeing e Embraer, para análise de sustentabilidade do biocombustível de aviação de cana de açúcar pela Amyris (IADB, 2011). Além disso, foram mais de 360 realizados voos de demonstração das companhias aéreas GOL na ocasião da Rio+20 e mesmo durante as olimpíadas e copa do mundo no Brasil, bem como da Azul Linhas Aéreas Brasileiras com bioquerosene de aviação que batizou seu voo de “Azul+Verde”.
Entretanto, o setor não conseguiu vencer as barreiras mercadológicas para produção de bioquerosene de aviação em larga escala. Pedro Scorza, diretor de Biocombustíveis para Aviação da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), em matéria realizada pelo Canal-Jornal da Bioenergia (2019) ressaltou que as diferenças de custo de combustíveis convencionais ainda são um gargalo ainda que a tecnologia tenha evoluído muito e que a diferença de preço estaria no patamar de 20% , sendo que há alguns anos era de 200%.
Com a alta dos preços dos combustíveis fósseis e a crise desencadeada pela COVID-19 que afetou fortemente o mundo todo e impactou sobremaneira o setor aéreo. Ainda assim, há um movimento crescente de apoio ao uso de combustíveis sustentáveis de aviação e busca de comprometimento das empresas em serem identificadas como ESG, isto é, que seguem critérios e tendências em políticas e ações relacionadas ao Meio Ambiente, Social e de Governança. A adoção dessas tendências pode significar uma maior atração de investimentos. Empresas como Gol, Boeing, Airbus, Air France-KLM tem se comprometido a utilizar tais combustíveis, visando estratégias para melhorarem suas performances ESG bem como diminuir suas emissões de CO2.
Foi ainda criada uma aliança entre Netflix, Microsoft, JP Morgan, Deloitte e outros chamada Sustainable Aviation Buyers Alliance (SABA), a qual será operacionalizada pelo Environmental Defence Fund e pelo Rocky Mountain Institute, com apoio do Climate Group para desenvolvimento de SAF. A SABA tem como objetivo que a aviação comercial possa utilizar 100% de biocombustíveis até 2030.
Na agenda interna, existem algumas iniciativas específicas para estimular o desenvolvimento do setor: (1) o recém lançado Programa Combustível do Futuro pela resolução do Conselho Nacional de Política Energética que prevê a criação do Comitê Técnico do Combustível do Futuro (CT-CF), que será composto por quinze órgãos e coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e a introdução do bioquerosene de aviação na matriz de transporte do País e para uma política integrada desse biocombustível com o diesel e a nafta verde e a criação do Comitê ProBioQAV; (2) o Plano de Ciência, Tecnologia e Inovação em Energias Renováveis e Biocombustíveis (2018-2022) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), com a meta de consolidar a Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos Renováveis para Aviação (RBQAV) coordenada pela Secretaria de Empreendedorismo e Inovação (SEMPI/ MCTI) em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com apoio de outras universidades envolvidas; (3) os avanços na tramitação do PL 9321/2017 que cria o Programa Nacional do Bioquerosene. Tais iniciativas reforçam essa agenda de biocombustíveis - também construída pelo RenovaBio desde 2017 - na qual podem ser buscadas soluções para esses gargalos logísticos, de distribuição, tributação e preço, a fim de tornar viável os hidrocarbonetos renováveis.
Recente estudo divulgado pela Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB) afirma que o país tem potencial de produzir 9 bilhões de litros de bioquerosene a partir de resíduos. Potencial condicionado a consolidação de sua cadeia produtiva e criação de ambiente favorável à instalação de biorrefinarias. O Brasil precisa se preparar para cumprir a fase obrigatória da CORSIA em 2027. Por isso, é preciso buscar soluções conjuntas com bancos como BID, Banco Mundial e outros financiamentos internacionais que possam retomar o crescimento e investimentos nessas tecnologias. Isso porque, se o Brasil, com apoio e incentivo de tais organismos internacionais, conseguir desenvolver esse mercado, poderá estimular inclusive o desenvolvimento do mercado regional latino-americano e se beneficiar das exigências do CORSIA. Visto que o país ocupa a posição de líder do Diálogo de Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia no tema da Transição Energética, bem como tem reconhecidos esforços do Ministério das Relações Exteriores no fortalecimento da Plataforma do Biofuturo criada em 2016.
Laís Forti Thomaz é pesquisadora da Rede Brasileira da Rede Brasileira de Hidrocarbonetos e Bioquerosene Renováveis para Aviação. Professora da Universidade Federal de Goiás.
Amanda Gondim é coordenadora da Rede Brasileira da Rede Brasileira de Hidrocarbonetos e Bioquerosene Renováveis para Aviação. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Source: Estadão
Categories: Notícias capa
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