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Análise de conjuntura sobre o setor de energia fóssil e renovável nos Estados Unidos

Texto: Ana Flávia Silva Paiva 

 

O desenvolvimento de alternativas ao petróleo tem sido incentivado nos Estados Unidos, desde os anos 1970, como forma de buscar a independência energética e o desenvolvimento de áreas rurais produtoras de milho. Tais medidas têm efeitos significativos para a indústria petrolífera, sendo esta uma das principais coalizões contrárias a incentivos aos combustíveis renováveis. No ano de 2005 foi criado o Renewable Fuel Standard (RFS), o qual foi ampliado em 2007. Trata-se de um programa de consumo compulsório de biocombustíveis cuja agência reguladora e fiscalizadora é Environmental Protection Agency (EPA). Na época de sua criação ocorria um aumento significativo do preço do petróleo nos Estados Unidos.

A meta de consumo inicial do RFS era de 4 bilhões de galões de etanol em 2006 e de 7,5 bilhões até 2012, porém a meta foi ampliada para 36 bilhões de galões até 2022 e subdividida entre os diferentes tipos de biocombustíveis. Os diferentes tipos de combustíveis renováveis foram agrupados respeitando quatro categorias de volumes anuais: diesel à base de biomassa (BBD), biocombustível celulósico (CB), combustível renovável total e o biocombustível avançado. Assim, este programa é tido como o maior incentivo do país para a produção de combustíveis renováveis. (EPA, 2018).

O aparato utilizado pela agência que a legitima e permite que ela responsabilize legalmente as entidades que cometam violações ambientais é vinculado diretamente com as leis aprovadas no Congresso dos Estados Unidos. Essa conjuntura permite à EPA formular seus regulamentos em que são explícitos os detalhes técnicos, operacionais e legais necessários para a implementação da legislação. Devido a essa dependência dos regulamentos internos e a aprovação legislativa, as coalizões contrárias à atuação da agência buscam instrumentalizar seus interesses, utilizando-se principalmente, do lobbying no Congresso estadunidense.

Analisando a produção petrolífera do país, nota-se que o petróleo bruto, nos Estados Unidos, é explorado nas reservas localizadas em 32 estados e nas águas costeiras e em 2019 cinco estados foram responsáveis por cerca de 69% da produção total dos Estados Unidos. Dentre as regiões produtoras, destacam-se o estado do Texas que foi responsável por 41% da produção total, North Dakota com 11%, Novo México 8%, Oklahoma 5% e Colorado com 4%. Identificar essas regiões colabora na observação da influência de seus representantes no Congresso. O mapa abaixo mostra a localização das reservas de acordo com a comparação entre o volume produzido por cada estado. 

Desde 1990, os produtores de petróleo têm seu posicionamento bem definido no que se refere aos dois maiores partidos dos Estados Unidos. Desde a última década a grande parte das contribuições do setor petrolífero, no ciclo eleitoral, foram para o Partido Republicano. Desta forma analisando as eleições do país em 2020 observa-se o seu resultado com efeito significativo para o programa RFS e a condução da política energética do país.

Joe Biden durante sua campanha eleitoral afirmou que o presidente Donald Trump foi contrário aos agricultores americanos em seu mandato de biocombustíveis no país. Esta crítica ficou explícita em uma declaração exclusiva que o candidato deu a Agri-Pulse em que apontou o atraso de Trump em anunciar as metas de volume anual para o Renewable Fuel Standard como é mostrado abaixo:

O Renewable Fuel Standard marca nosso vínculo com nossos agricultores e nosso compromisso com uma economia rural próspera, Donald Trump não respeita essa conexão e a jogou fora em detrimento de gerações de produtores em todo o meio-oeste e em todo o país - muitos dos quais depositaram sua confiança nele há quatro anos. (BIDEN, 2020, tradução nossa)

Um outro obstáculo enfrentado pela agência de proteção ambiental na condução do programa, relaciona-se com as críticas à sua transparência em relação ao RFS. Há um crescente clamor público pedindo a divulgação dos nomes das refinarias que buscam e recebem Isenções (SREs) de suas Obrigações de mistura do Padrão de Combustível, tais refinarias isentas são denominadas de “waivers”. 

Em 2016 a própria EPA propôs revelar publicamente informações relacionadas aos SREs, mas com o início do governo Trump essa proposta foi arquivada (RFA, 2019). No início de abril de 2019 a proposta de divulgação volta a ser discutida, no entanto não se tem publicações oficiais e de acordo com a Reuters, o plano foi novamente arquivado depois de “blowback da Casa Branca e de partes da indústria petrolífera” (REUTERS, 2019). Novos pedidos de isenção chegaram a agência e os nomes das refinarias já beneficiadas permanecem em segredo, não sendo também esclarecido o porquê da não divulgação.

Os dados da Energy Information Administration (EIA), permitem mapear as 48 refinarias existentes nos 48 estados localizados mais ao sul e no Havaí que se enquadram no título de “pequena refinaria”, pois produzem até 75.000 barris por dia. Assim, mesmo sem a divulgação por parte da EPA, tem-se a noção de que apenas 8 dentre as 48 não solicitaram SREs em 2018. Nesta análise destaca-se que os grandes refinadores de petróleo como Chevron, CVR, ExxonMobil, Marathon, HollyFrontier e Valero aparecem na lista das 48 refinarias, mesmo dificilmente encaixadas nas operações de refino “pequeno” que o Congresso delimitou no momento de criação das isenções temporárias de RFS (RFA, 2019). Há também alegações baseadas no estudo comandado pela Universidade Estadual do Colorado, que de esses refinadores que recebem as isenções estão obtendo ganhos econômicos desproporcionais.

Em 2020 a EPA recebeu novas petições de refinadores de petróleo para renunciar ao Padrão de Combustível Renovável totalizando 98 petições que incluem 67 retroativas. Devido a esse cenário a indústria de etanol recorreu ao presidente Trump e criticou os atrasos nas decisões lamentando as incertezas que circundam a indústria de combustíveis renováveis do país. Em relação as isenções, a agência não anunciou propostas antes da finalização das eleições de 2020 e a mudança de sua administração pode ser cogitada de acordo com os resultados finais do presidente eleito. (RFD TV, 2020) 

Analisando as propostas de Biden e Trump, em seus discursos, foi notório o apoio do primeiro aos agricultores estadunidenses, reforçando o papel da administração anterior Obama-Biden e reforçando que Biden-Harris promoverá o avanço na agenda de energia renovável. Este avanço foi defendido, sobretudo, como forma de apoio aos produtores de milho do país e demais ligados a produção de combustíveis renováveis. No entanto, apesar das críticas de Biden à administração da EPA por parte de Trump, o governo Obama ultrapassou processo semelhante no qual passou anos sem anunciar novos volumes com atraso significativo na RVO. A principal diferença entre os dois atrasos nas administrações, como foi pontuado por Tom Vilsack, refere-se à política do ano eleitoral que estava em jogo com o Trump. Como foi colocado pelo secretário de agricultura em sua entrevista ao Agri-Pulse.

 A administração Trump falhou em cumprir o RFS, concedeu isenções a grandes empresas de petróleo que não as mereciam e falhou em fornecer assistência adicional e ajuda durante a pandemia de coronavírus para esta indústria. (VILSACK, 2020, tradução nossa.)

Com o início das eleições o maior grupo de lobby de petróleo e gás da América aumentou significativamente seus gastos com publicidade na tentativa de persuadir os eleitores antes de novembro. A campanha do American Petroleum Institute (API) recorreu aos eleitores mais jovens e foi baseada na percepção de que o gás natural é um combustível benéfico e que reduz o impacto das mudanças climáticas. (REUTERS, 2020)

Em julho de 2020, Joe Biden comunicou a possibilidade de investimento em um plano de US $ 2 trilhões para realizar a transição energética da economia estadunidense em que abandonariam os combustíveis fósseis incluindo o gás natural e migrariam para bases renováveis. Este plano apoiaria litígios climáticos contra os poluidores que não fornecem informações em relação aos riscos ambientais e de saúde pública. Após este anúncio em 14 de julho a API aumentou seus gastos em anúncios no Facebook para uma média de US $ 24.000/dia, esse aumento correspondeu a aproximadamente seis vezes o gasto médio diário nos seis meses anteriores da empresa. (REUTERS, 2020)

Outro meio utilizado pelo instituto foram anúncios de TV entre o dia 1 de janeiro e 16 de agosto nos quais gastou aproximadamente US $ 3,1 milhões, representando um aumento de 51% em relação ao mesmo período em 2019. Estes tiveram o enfoque na campanha lançada em janeiro denominada “Energia para o Progresso”, o site da campanha promovia o gás natural como “mais limpo” em contraposição à antiga descrição do grupo no mesmo site meses anteriores em que o colocavam como apenas “limpo”. Entretanto, os cientistas do clima alegam que o gás natural não é limpo e ainda emerge como ameaça ao clima devido à grande escala de dióxido de carbono (CO2) emitido pela indústria. Em contrapartida o presidente da API, Mike Sommers defendeu que a publicidade de seu grupo anteriormente as eleições visava a reversão de “analfabetismo energético” existente nos Estados Unidos. (REUTERS, 2020)

Com a vitória de Joe Biden o futuro do RFS se relaciona ao questionamento sobre em que forças o Green Project de Biden poderia se efetivar em seu mandato presidencial. Visto seu posicionamento claro em relação ao RFS e o grupo de petróleo como principal opositor, o desafio presidencial é encontrar apoiadores ao programa no Congresso, a reformulação administrativa da EPA e a relação com o principal grupo opositor à sua condução da política energética: os produtores de petróleo.

O grande desafio de Biden será em promover a Revolução de Energia Limpa baseado em suas crenças no New Deal Verde como condutor e estrutura para o enfrentamento dos problemas climáticos. Deve-se ressaltar a interligação existente entre a produção energética e a economia do país. Desta forma deverá existir a reversão na base da produção e consumo em que, atualmente, está voltado aos combustíveis fósseis como é demonstrado no gráfico abaixo em que o petróleo e gás natural correspondiam a 69% dos recursos bases usadas no transporte, indústrias, residências e comércio e a energia renovável foi responsável por apenas 11% do total de recursos

O novo presidente pretende alcançar até 2050 uma energia 100% limpa que alcance emissões líquidas zero, para isso precisará da aprovação do Congresso para a promoção de legislação que estabeleça a estrutura necessária e inclua as metas do programa. Também serão necessários investimento em pesquisa e inovação, para isso o presidente se comprometeu em não aceitar contribuições de empresas ou executivos ligados ao setor de gás, petróleo e carvão. (JOE BIDEN, 2020)

Nessa eleição Biden superou os recordes de arrecadações de fundos em relação a campanha de Trump durante os meses finais da eleição em uma das consideradas mais caras eleições dos Estados Unidos. Comparando os dois candidatos, observa-se que o total arrecadado até o dia 26 de dezembro de 2020 foi de US $ 3.977,4 milhões. Em relação aos valores os apoiadores voltados ao agronegócio foram responsáveis por US $ 14.927.741 para o candidato republicano e US $ 5.967.563 ao democrata, em relação aos lobistas Biden superou Trump com um total de US $ 61.353.500 e a indústria de petróleo contribuiu com $ 14.696.347 para a campanha do republicano Trump sendo considerado um valor expressivo. O candidato democrata contou com US $ 1.044.187.828 do dinheiro do comitê e US $ 578.805.870 dinheiro externo superando Trump que obteve US $ 311.791.392 de dinheiro externo. (CENTER FOR RESPONSIVE POLITICS, 2020)

  Desta forma, a associação de vários atores dentro de um sistema originando um grupo de interesse, dá, além de tudo, visibilidade as reinvindicações desses particulares desde que se alinhem em pontos em comum. A congruência desses interesses, como é o caso dos produtores de petróleo, é um dos fatores que os une em uma coalizão e permite a representação das partes. Seu sistema de crenças, quando compartilhado, demonstra que determinadas ações são apenas consequências de crenças profundas e não, fim em si mesmas. 

 A crença profunda de manutenção da segurança energética dos Estados Unidos derivada dos combustíveis fósseis, é, sobretudo, o que regula o comportamento desse grupo e o seu embate contrário ao programa Renewable Fuel Standard representa, então, o meio de alcançar seus objetivos. Isso se observa com o histórico desenvolvido pela indústria petrolífera estadunidense, na medida em que se analisa os conflitos nos quais se envolveram ao longo da sua consolidação, nota-se que foram meios para o alcance de seu objetivo principal de dominar o mercado nacional e internacional e ser a base da produção energética mundial. Essa finalidade faz com que criem a imagem de seus inimigos e desenvolvam as estratégias frente as políticas públicas. 

Observa-se que o lobbying dos produtores de petróleo existe como forma de alcançar os seus objetivos e sob o pretexto de influenciar a trajetória política dos Estados Unidos, visando benefício próprio. Essa forma de atuação do grupo se sustenta devido à estrutura própria político democrática do país do qual ela está inserida. 

Assim, identificar a cadeia produtiva do petróleo permite a compreensão do poder concentrado em algumas áreas geográficas do país, como por exemplo os estados produtores de petróleo Texas, Dakota do Norte, Novo México, Oklahoma e Colorado. A localização desses produtores de petróleo nos Estados Unidos influencia a organização estrutural de energia dentro do território. Isso faz com que a indústria de petróleo tenha, além da captação do óleo, domínio de outros meios relacionados a essa matéria prima, como por exemplo o setor dos transportes e refino, ademais se torna possível mapear seus representantes no Congresso. É relevante compreender a atuação do American Petroleum Institute como principal sujeito da análise, justificando a escolhe deste ator por ser o único instituto no país que compreende todos os setores da cadeia produtiva. Além do mais, essa estrutura produtiva também demonstra a composição das relações de oferta e demanda e condições de preço do petróleo, exemplificando sob a observação das oscilações de valores nos últimos anos.

Por fim, o estudo das estratégias adotadas pela API, levando em consideração suas crenças na busca de seus interesses, confirmam que o grupo procura influenciar a formulação das regulações da EPA. Isso se dá porque o RFS se mostra como alternativa ao uso de combustíveis fósseis na manutenção da segurança energética do país e, definido como política pública, se torna um ponto concreto na qual a API pode se opor. Suas estratégias podem ser observadas com o lobbying, o acesso a estruturas do Poder Executivo, o uso da mídia e a academia. Esse tipo de interferência afeta diretamente a agência e a faz palco dos embates entre a coalizão do petróleo e os produtores de etanol. Para o novo presidente enfrentar esta oposição e reformular a estrutura interna da agência seria um dos meios para promover o andamento do seu plano de mandato, expandir o RFS o colocaria como a base da estruturação da cadeia produtiva energética dos Estados Unidos. 

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